Josef Pieper e as paixões humanas
FILOSOFIA
ROBERTO C. G. CASTRO
As emoções – principalmente o amor – ligam o homem à realidade das coisas. Quem quer agir bem e de modo justo deve manter um “equilíbrio cognitivo”, em que o sensível e o intelectual, o desejo sensível e a vontade racional não se prejudicam e se enfraquecem, mas se apoiam e se fortalecem mutuamente.
Essas afirmações foram feitas pelo filósofo alemão Berthold Wald, atual reitor da Theologische Fakultät de Paderborn, na Alemanha, durante o 10º Seminário Internacional Filosofia e Educação, promovido nos dias 13 e 15 de março pelo Centro de Estudos Medievais Oriente & Ocidente (Cemoroc) da Faculdade de Educação da USP. Realizado no Centro Universitário Assunção (Unifai), na Vila Mariana, em São Paulo, o seminário foi organizado também pelo Unifai e pelo Instituto Jurídico Interdisciplinar (IJI) da Universidade do Porto, em Portugal.Em sua palestra, proferida no dia 15, Wald se baseou no pensamento do filósofo alemão Josef Pieper (1904-1997), um dos maiores intérpretes contemporâneos do teólogo medieval Tomás de Aquino (1225-1274). Para Wald, existe um componente racional já na percepção sensível do mundo. Isso é verificado, por exemplo, nas reações de crianças pequenas anteriores a qualquer reflexão – como ocorre quando o bebê experimenta o afeto da mãe imediatamente num sorriso, como conteúdo transmitido pelas sensações. “Já há uma apreensão sensível que distingue entre figuras do agradável e do bom ou do mal. Essas figuras, portanto, não são geradas apenas posteriormente por meio do intelecto, que daria uma forma a sensações amorfas.”
Recusando o “realismo ingênuo” que considera autônomas as faculdades do homem – suas paixões, razão e vontade –, Wald destacou que a razão pode e deve governar o ser humano, não pela repressão das paixões, mas “informando” todas as potências da alma. “Só assim o homem é livre e senhor de si mesmo, e só então também é bom. Ser bom significa corresponder em conhecimento e amor à realidade concreta que já se apreende pelas emoções”, acrescentou Wald, que é editor da obras completas de Josef Pieper, publicadas pela Editora Meiner, de Hamburgo, em 11 volumes – mais um CD com todos os textos do filósofo alemão.
Boécio e Cassiodoro – Josef Pieper foi tema de outras palestras dadas no seminário ao longo do dia 13. O professor Jean Lauand, docente da Faculdade de Educação da USP e diretor do Cemoroc – por exemplo –, destacou as análises do filósofo alemão sobre dois educadores do século 6, Boécio e Cassiodoro. Vivendo no início da Idade Média, quando povos bárbaros ocupavam o que antes havia sido o território do Império Romano, esses homens foram responsáveis pela preservação e transmissão de parte do legado cultural clássico, que sem eles teria se perdido para sempre.
Em meio à depressão cultural causada pelas invasões bárbaras, Boécio traduziu obras do filósofo grego Aristóteles e escreveu tratados de música, aritmética e geometria, enquanto Cassiodoro foi responsável pela “transferência” da cultura para os mosteiros, que a partir dele passaram a se dedicar à cópia dos livros antigos. “Um educador que contemple a dramática situação do ensino hoje, com a ausência não só dos grandes clássicos, mas das mais elementares bases do pensamento, se sentirá imediatamente muito próximo de Boécio”, disse Lauand, citando Pieper. Quanto a Cassiodoro, acrescentou o professor, a sua grande contribuição foi perceber que o componente fundamental para a educação, a skholé – ou seja, as condições de tranquilidade e abertura da alma para o estudo – só podia se dar, naquela época, nos mosteiros.
Educação – Interdisciplinar, o 10º Seminário Internacional Filosofia e Educação discutiu vários outros temas ligados à cultura do Ocidente e do Oriente. A professora Aida Ramezá Hanania, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, falou sobre o artista árabe Hassan Massoudy, nascido no Iraque em 1944. Segundo Aida, Massoudy é um exemplo de que cada cultura produz os meios de expressão artística adequados a si mesma. O professor Ricardo da Costa, da Universidade Federal do Espírito Santo, abordou dois pensadores do século 12, Bernardo de Claraval e Pedro Abelardo. Houve ainda palestras sobre a educação contemporânea, a educação segundo a filósofa alemã Hannah Arendt, o samba como elemento cultural constante do pensamento latino-americano, a identidade e a formação dos docentes, políticas públicas de inclusão escolar e a humanização da educação dos jovens da Fundação Casa.
Os Anais do 10º Seminário Internacional Filosofia e Educação podem ser solicitados através da página eletrônica do Centro de Estudos Medievais Oriente & Ocidente (www2.fe.usp.br/~cemoroc).
As virtudes pós-modernas
As virtudes humanas foram o tema da palestra proferida pelo professor Paulo Ferreira da Cunha, diretor do Instituto Jurídico Interdisciplinar (IJI) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, no 10º Seminário Internacional Filosofia e Educação, no dia 15 de março. Depois de comentar as quatro virtudes clássicas (prudência, justiça, fortaleza e temperança) – que, a partir do filósofo grego Platão, foram assimiladas e legadas pelo cristianismo à modernidade –, Cunha citou personagens do mundo grego e romano que realizaram ações exemplares. Um deles foi o imperador Trajano (53-117), que se notabilizou em várias áreas e foi considerado o maior imperador romano. O espartano Leônidas morreu heroicamente no Desfiladeiro das Termópilas, em 480 antes de Cristo, acompanhado de apenas 300 guerreiros. “A história e a lenda contam numerosos ditos que atestam a sua bravura nessa derradeira defesa contra os persas comandados por Xerxes”, destacou Cunha.
Inspirado no escritor italiano Italo Calvino (1923-1985), Paulo Ferreira da Cunha se referiu ainda ao que chamou de “virtudes pós-modernas” – aqueles comportamentos considerados essenciais para se viver bem em pleno século 21. Entre essas virtudes encontram-se a agilidade e o pluralismo. “Os tempos atuais são acelerados. Requer-se uma desenvoltura, que pode ser também rapidez de compreensão das mudanças e agilidade de espírito, com agudeza”, disse o professor, a respeito da agilidade. “O monismo, o confinamento, a cristalização, a avareza (e miopia) que guarda uma só área do saber, ou uma única ideia, têm os dias contados. Para o bem e para o mal, o mundo atual é já muito vário, fragmentário e plural”, acrescentou, justificando a virtude do pluralismo.
Mas há outras virtudes necessárias nos tempos atuais, além da agilidade e do pluralismo. São necessárias também a leveza (“O mundo atual é mundo light. Ele tem de ter leveza, que também pensamos dever ser adaptabilidade, maleabilidade mentais e vivenciais”), rigor (“Já vemos na contemporaneidade muita improvisação. A exatidão, o rigor, a precisão são indispensáveis”) e coerência (“Até como contraponto à variedade e à fragmentação, é necessária a coerência ou consistência). Por fim, citando o filósofo francês Alain Finkielkraut, Cunha destacou uma última “virtude pós-moderna”: um coração inteligente. “Sem a inteligência afetiva não se pode ir muito longe. Pelo contrário, com um coração inteligente, vai-se aonde a razão só e o coração só não permitem”, finalizou o professor.